Divagações...

Feminista, eu?

Texto originalmente escrito em 2011, para um concurso em um blog, mas que não cheguei a mandar e nem a publicar.

Desde que nasci eu sou feminista, mas foi há pouco tempo que percebi isso. Na verdade, nunca achei que minhas ideias pudessem ser classificadas como feministas, e somente adulta é que pude perceber isso.

Minha mãe, contrariando os costumes da época, recusou-se a casar com meu pai biológico porque não admitiu ser subjugada por ele. Escolheu ser mãe solteira, coisa que na década de 1970 era algo muito mal visto na sociedade. Por três anos, vivemos eu e ela na casa da minha avó, na época já separada do meu avô, mas não divorciada. Portanto, os primeiros anos da minha vida foram ao lado de duas grandes mulheres, muito à frente de seu tempo.

No final de 1979, minha mãe se casou com meu verdadeiro pai, um homem também incomum. Nunca, na minha vida inteira, ouvi um comentário machista por parte dele, que sempre pregou a igualdade entre todos, seja homem ou mulher, negro ou branco, rico ou pobre. Eu e minhas duas irmãs crescemos alheias ao machismo, porque fomos abençoadas com uma educação em que sequer isto fazia sentido ser mencionado. Sempre tivemos a certeza que éramos capazes de realizar nossos sonhos e alcançar nossos objetivos pelas nossas próprias pernas, seja num mundo machista ou não.

A primeira vez que fui confrontada com a questão do feminismo foi num congresso de Física nos EUA, já quando fazia meu doutorado. Após uma discussão com outros colegas homens, uma inglesa me perguntou, quase em tom de acusação, "Mas você não é feminista?", e minha resposta foi que não, eu não era feminista, eu era humanista. E aquela pergunta me intrigou por dois motivos: primeiro, porque da maneira como fui criada e com quem eu vivi minha vida inteira, não existia o machismo como forma de opressão da mulher. Não existia a questão "ganhar espaço, fazer valer os mesmos direitos para os dois sexos". Se eu sofri preconceito por ser mulher não percebi, justamente por negar que ele existisse. 

Segundo, porque a pergunta vinha de uma inglesa, o que não fazia o menor sentido pra mim; se no Brasil não existia o machismo, quem dirá na Inglaterra, um país muito à frente do nosso em termos de direitos humanos! Na minha inocência, o feminismo não era mais uma bandeira necessária, ao passo que lutar pelos direitos de todos era a causa urgente.

Esta minha "relutância" em aceitar que ainda há problemas com os direitos das mulheres se deve ao fato que o machismo, assim como o racismo e a homofobia, é silencioso neste país. Justamente por este motivo, muito mais sorrateiro e difícil de combater, porque está nas entranhas das pessoas e nas entrelinhas das conversas do cotidiano. É sutil e quase imperceptível, mas mostra sua face em defesa do status quo.

Os ataques aos direitos das mulheres, muitas vezes, não são feitos de forma explícita, porque legalmente há consequência para a discriminação; eles são feitos, na maioria das vezes, às posturas e escolhas comportamentais que são historicamente relacionadas ao mundo masculino. Exemplos: se uma mulher resolver ter tantos parceiros sexuais quanto um homem sexualmente ativo, logo vem a sociedade para condená-la por ser promíscua; se a mulher optar por deixar seus filhos na creche desde o momento que termina sua licença maternidade, ela está sendo negligente, ao passo que ninguém pergunta porque o pai não assume a criação dos filhos; se alguém visita a casa de um casal, e a casa é bagunçada, a culpa é da mulher e não do casal, pois a casa é "por definição" responsabilidade feminina. Ou seja, se não está claro para todos que o julgamento de comportamentos e atitudes não depende do sexo, então a igualdade entre os sexos é um conceito artificial na sociedade, introduzido e praticado em prol do "politicamente correto".

Hoje, ao me defrontar com outras realidades e com os olhos mais abertos, eu discordo deste pensamento. Pode ser que pra mim não seja necessário ganhar espaço, pois meu emprego não faz distinção de sexo e as pessoas que convivem comigo também não o fazem. Mas e para as outras tantas mulheres trabalhadoras, humildes, que o machismo é ensinado desde o momento que elas possam reconhecer o significado das palavras? Será que para elas é tão fácil enxergar que homem e mulher têm suas diferenças, mas ambos têm os mesmos direitos e deveres? E para as mães das minhas amigas, suas avós e tias, que viveram a vida para servir "seu" homem... Como elas podem compreender que elas têm o direito de ser livres?

Eu sei que tenho a força da convicção na igualdade dos sexos, e por isso não me deixo subjugar. E é para que cada mulher possua esta convicção desde o momento que vierem ao mundo que precisamos lutar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário