sábado, 19 de maio de 2012

Pela greve

Texto de minha autoria, enviado aos colegas da Unipampa.
-------------------------------------------------------------------------------------------

Prezados colegas,

Como docente preocupada com os rumos da educação neste país, escrevo este texto para dizer porque sou a favor da greve.

Em agosto do ano passado, após consultas à categoria docente e uma rodada de negociações, o ANDES-SN e o governo chegaram a um acordo em que o governo se comprometia em atender alguns pontos das nossas reivindicações:

- Incorporação da GEMAS ao Vencimento Básico (VB), e 4% de aumento sobre este novo valor do VB + RT a partir de março de 2012;
- Discussão da nova carreira docente por parte de um grupo de trabalho que deveria encerrar suas atividades em 31 de março deste ano, já apresentando uma proposta para a categoria;
- Discussão de novo aumento, visto que os 4% estão longe de corrigir a inflação dos últimos anos, quem dirá corrigir os valores de acordo com a nossa responsabilidade e direito.
Chegou março, passou abril e não vimos o aumento prometido, nem o resultado do grupo de trabalho de discussão da carreira docente. “O que está acontecendo?”, muitos se perguntaram. Então, o governo alegou que o PL2203/11 não tinha sido votado no congresso, motivo pelo qual não recebemos em março a correção acordada em agosto do ano passado.

E quanto à discussão da carreira, cujo Grupo de Trabalho deveria apresentar seus resultados em 31/03/12? Estamos a esperar pela proposta do governo e a consequente discussão dentro do Grupo de Trabalho sobre a nova carreira docente. A impressão que fica é que o governo está nos cozinhando, desrespeitando prazos e marcando reuniões apenas para dizer que ainda está tentando, mas sem apresentar propostas concretas que nos levem à negociação.

Além disso, o ANDES-SN protocolou junto aos órgãos do governo desde fevereiro deste ano a seguinte pauta de reivindicações do ano de 2012, aprovada no 31º Congresso do ANDES:

- A categoria pleiteia carreira única com incorporação das gratificações em 13 níveis remuneratórios, variação de 5% entre níveis a partir do piso para regime de 20 horas correspondente ao salário mínimo do Dieese (atualmente calculado em R$ 2.329,35), e percentuais de acréscimo relativos à titulação e ao regime de trabalho.
- Os professores também querem a valorização e melhoria das condições de trabalho dos docentes nas Universidades e Institutos Federais e atendimento das reivindicações específicas de cada instituição, a partir das pautas elaboradas localmente.

Para entender o que aconteceu desde que esta pauta foi protocolada, cito a notícia publicada no site do ANDES: “Por diversas vezes, o ANDES-SN cobrou do governo uma mudança na postura e tratamento dado aos docentes, exigindo agilidade no calendário de negociação, o que não ocorreu. A precariedade nas Instituições Federais, em diversas partes do país, principalmente nos campi criados com a expansão via Reuni, também vem sendo há tempos denunciada pelo Sindicato Nacional.”

Mediante esse cenário, o ANDES-SN começou a mobilizar a categoria para uma greve este ano, a fim de pressionar o governo a resolver a questão do PL2203/11, negociar novo aumento e apressar a discussão sobre a nova carreira. O resultado foi uma série de assembleias por todo o país aprovando indicativo de greve para 17/05/12. E essa “ameaça de greve” surtiu um pequeno efeito: saiu hoje no Diário Oficial da União a publicação do PL2203/11 como Medida Provisória, coisa que o governo já podia ter feito em março. Vejam, a publicação desta Medida Provisória é fruto da negociação do ANO PASSADO, e não tem nada a ver com a pauta deste ano. O governo não fez mais do que a obrigação, visto que havia assinado um acordo com a categoria ano passado para vigorar a partir de março deste ano.

E como ficam as reivindicações da pauta de negociação? Com relação ao aumento além dos 4% da Medida Provisória, o governo se nega a negociar, dizendo que “talvez” seja possível um aumento em 2013, mas é mais provável 2014. Os 4% sequer satisfazem os anseios da categoria, pois só de perdas salariais devido à inflação desde o último aumento, nosso salário já está defasado em torno de 17%, fato que constatamos cotidianamente quando vamos ao mercado, compramos meia dúzia de produtos e gastamos 50 reais. Sem falar no aumento das escolas dos filhos, serviços de forma geral, aluguéis, etc., que corrigem os preços de acordo com a inflação.

É importante que saibamos o que significa este “aumento” de 4%: no caso de um professor no nível Adjunto 3, o aumento bruto fica em torno de R$308,00 e o que de fato fica disponível para nós, ou seja, o valor líquido, em torno de R$225,00; no caso do Adjunto 1, o aumento bruto é de em torno de R$293,00, e líquido em torno de R$214,00. Já no caso do Assistente 3, temos bruto = R$194,98 e líquido = R$142,34, e no caso do Assistente 1 temos bruto = R$186,06 e líquido de R$135,83. Eu não sei de vocês, mas eu me sinto desrespeitada com esses valores, dados a inflação e a responsabilidade e importância do cargo de docente. Lembrando que este foi o primeiro aumento desde 2009, e provavelmente será o único que teremos nos próximos dois anos, de acordo com o governo.

Em relação à discussão da carreira, o ministro alega que o governo está reformulando sua proposta para então levá-la para discussão e negociação. Será que 10 meses não foram suficientes para que eles pudessem nos acenar com alguma proposta? Nós sabemos que a categoria já aprovou e apresentou ao governo uma proposta para nova carreira há mais de um ano; não seria então mais efetivo negociar em cima desta proposta, que já está aprovada pela categoria, e melhor, está pronta há tanto tempo? Precisamos de uma reestruturação da carreira docente que conserte as distorções presentes entre a nossa carreira e a dos outros servidores públicos federais. Se a proposta da categoria, levada pelo ANDES-SN à mesa de negociação, tivesse sido aceita pelo governo, não haveria necessidade de discutir aumento, pois este já está embutido na própria reestruturação.

Entendendo que “não dá mais para esperar”, na reunião do setor das IFES do ANDES-SN em Brasília ocorrida no último sábado (12/05), 33 seções sindicais das 36 presentes (no momento da votação) votaram por deflagrar a greve a partir do dia 17/05/2012. Esta decisão não é, como alguns falam, uma atitude impulsiva e pouco cautelosa por parte da categoria; ela é fruto de discussões ao longo dos últimos dois meses, com diversas assembleias, reuniões em Brasília das seções sindicais e do ANDES-SN com o governo. Lembro que este mesmo movimento, no ano passado, optou por não deflagrar a greve.

O cenário atual brasileiro mostra diversos setores descontentes com a política do governo, tanto é que nós, Servidores Públicos Federais, estamos tentando organizar uma greve conjunta. Saindo um pouco da esfera do setor público, vejam, por exemplo, o texto da Sociedade Brasileira de Física condenando os cortes no orçamento de ciência e tecnologia, e expressando preocupação com o futuro do país*. Ou seja, não estamos sozinhos.

Portanto, colegas, acredito que temos uma chance de sermos ouvidos este ano, pois é um ano eleitoral (mesmo que de eleições municipais, este fato tem sim implicações para o cenário nacional e as eleições de 2014) e ano que vem o país estará mais preocupado com a Copa do Mundo (infelizmente, é isso mesmo que vai acontecer). Se não fizermos greve, não saberemos. Se fizermos, podemos até sair sem nada, mas “corremos o risco” de conseguir alguma coisa. Enquanto os deputados e senadores legislam em causa própria para se conceder aumentos, nós não temos este poder; temos apenas o poder das nossas vozes e do nosso discurso. Somos formadores de opinião, um poder que frequentemente esquecemos possuir.

Deixo-os com um texto de Paulo Freire, cuja atualidade até nos causa desânimo:

“Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho.
A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem 'águias' e não apenas 'galinhas'. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.”


E vamos à luta!


Prof. Dáfni Fernanda Zenedin Marchioro (Unipampa/Bagé)


*O texto da SBF pode ser lido aqui: http://www.sbfisica.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=381&catid=103&Itemid=270

Nenhum comentário:

Postar um comentário